sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Mil desculpas, por favor!!

Certa feita, viajei para uma cidadezinha super agradável no alto da serra. Não conhecia meus anfitriões, mas isso nunca foi problema quando se tem boa vontade. Já inteiramente embriagada de muito verde e ar puro, cheguei cintilante ao meu destino.
Aiiii...mas, estava tudo tão bom!! Até... aquele bendito almoço de domingo! Na mesa dei de cara com iguarias de boa aparência e cheiro agradável. Agradável!? Stop...Tem um cheiro aqui que não estou acostumada!! Uai, meu Deus o que será mesmo? Então, indo ao ataque... fui logo as saladas, aquele arroz bem soltinho, aquele nosso feijão que não pode faltar, um pedaço de carne...humm, tudo tão "dôtoso"!! Mas tinha também uma penosa (galinha) cozida na mesa, que por sinal ainda não havia me servido. Meu desconfiômetro raras vezes me falha, benza Deus!! Garfada cá, garfada lá... e o povo me pergunta se eu não queria a penosa.
-Daqui a pouco.-respondo.
-É galinha à cabidela! Especialidade aqui da serra, toda casa dia de domingo por aqui tem galinha à cabidela.
Eu sabia!! Meu faro não me trai!!
Tentei inicialmente a desculpa que não gostava, mas não colou. Como poderia não gostar se nunca havia provado?
Agora danei-me de vez!!- pensei.
-Mil desculpas, por favor pessoal!! Mas não como nada que tenha sangue. -justifiquei-me.
Logo todos na mesa me fitaram como se eu fosse um E.T!! E lá se vai explicação: que vi furarem uma galinha quando eu tinha dez anos... que apararam o sangue -disseram-me ser para molho pardo- enquanto a coitadinha ainda estava viva...que a pobre estrebuchou até morrer pela hemorragia (dramática?! eu?! e não foi essa a causa mortis, uai?!) e depois fizeram o resto do serviço... depenaram, estriparam e escaldaram. No final das contas não comi aquele bicho na hora do almoço, mas ouvi minha mãe pedindo o tal "molho pardo". Quando vi aquilo chegar em um recipiente, arregacei logo a pergunta:
-Mãe, a senhora vai comer isso? É feito de sangue!!!!
-Sim, eu sei! É uma delícia!
Eu com minha boca pequena(sic) disse em tom bem audível -não tinha quase ninguém na mesa, sabe?! Férias. Dia na fazenda de um tio do papi, imagina só?!- que era pecado por isso e por aquilo, que estava escrito na Bíblia... quem comesse sangue ia para o inferno...
-Cala a boca, menina!!!! Quem te disse isso?? -fala meu pai, já "bege" de vergonha.
-O vovô, a vovó e a titia. - respondi na lata, cheia de segurança. Desnecessário dizer, que fiquei sem o restante do almoço e mais de castigo.

Voltando da viagem no tempo...

Depois de tudo explicado: primeiramente eu tinha escrúpulos, depois embora não seguisse nenhum credo religioso aquela história bíblica "de não tocar -comer- em sangue" tinha ficado arraigada na minha mente.
-Novamente mil desculpas, gente!
Ai...que alívio!! Tudo resolvido, embora soubesse que havia sido deselegante. Maaaaaas, não tanto como um digníssimo que teve o atrevimento de tascar um pedaço da dita cuja penosa no meu prato, alegando que comesse por que iria gostar.
Ah, como desejei ser uma Medusa ensandecida e petrificar aquele gentil rapaz!!
Afastei sutilmente sua oferta para a borda do prato e disfarçadamente, disse entre os dentes cerrados:
-EU NÃO GOSSSSSS-TO, TÁÁÁÁÁ!!!
Almoço enfim encerrado, com o pedaço da penosa lá onde coloquei.

Agora me diz onde tá escrito a lei universal que tenho que ser um clone?!
Que tenho que usar sabão em pó XMX?!
Que tenho que sambar por que sou brasileira?!
Que tenho que fritar igual bife mal passado na praia, por que moro no litoral?!
Que tenho que comer X, Y OU Z por que é bom?! Bom pra quem?!
O meu gosto não vale?! Sou o que então, que não posso ter opinião própria?!
Fui fabricada em uma linha de montagem?! Se fui, preciso de um recall faz tempo, óóó...