segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Do neolítico ao andróide paranóide

Como uma sarna, a depressão está por todo lado: segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), até 2020 ela passará da 4ª para a 2ª colocada entre as principais causas de incapacidade para o trabalho no mundo. No ambiente de serviço, a depressão pode se manifestar com queda da produtividade, desinteresse para aprender novas tarefas e isolamento social. Algumas pessoas podem direcionar os sintomas para um espectro de irritabilidade: muitas vezes, o famoso "pavio curto" não é um sujeito nervosinho ou estressado, mas apenas mais um deprimido.

Balela
No combate à depressão, muito tem sido dito sobre o papel das empresas como promotoras da saúde de seus funcionários. Quanta balela. Não é um papel da empresa zelar pelo bem estar do funcionário. O papel da empresa é espremer do funcionário o lucro que puder, pelo tempo que conseguir.
Existem 6 bilhões de pessoas no planeta. Alguém irá substituir você quando sua produção não compensar seu salário. É um mundo capitalista e não venha me dizer que você não sabia disso até hoje.

Sua vida
Por outro lado, o SEU papel como indivíduo que pensa (vamos acreditar nesta premissa, ela é importante para concluir o raciocínio) é procurar SUA qualidade de vida. E isso pode envolver ficar naquela empresa, emprego ou relacionamento - ou não. Você escolhe. Mas a partir do momento em que decidir colocar a liberdade desta escolha nas mãos de terceiros, não se surpreenda se os resultados não forem exatamente o que você estava buscando.
Quanto às previsões terroristas da OMS, não vejo dificuldade em enxergar as razões por trás da marcha avassaladora dos transtornos depressivos. Nossa espécie tem cerca de 300 mil anos. Durante séculos fomos nômades, caçadores e coletadoras. Mudávamos de residência a cada estação, vivíamos desafios diferentes a cada dia. Sempre uma nova presa, uma nova pescaria, um pedaço desconhecido do bosque para explorar e buscar novas frutas e novos caminhos para a sobrevivência.
Apenas de uns 100 séculos para cá dominamos a agricultura e abandonamos a existência nômade por excelência. Mas, de um ponto de vista proporcionalmente evolutivo, permanecemos filhos daqueles pré-neolíticos. A herança genética daquela natureza intrépida sobreviveu impregnada no núcleo de nossas células, após dezenas de milhares de gerações aventureiras.
Foi apenas no rápido intervalo iniciado há 3 séculos que demos início ao cotidiano como o conhecemos hoje. O bombardeio da revolução industrial encaixotou o espírito aventureiro, e o reflexo instintivo de luta ou fuga terminou restrito a uma cabine de telemarketing com uma tela de LCD numa ponta e uma cadeira ergonômica na outra. No meio, um exemplar de Homo sapiens capaz de muito, porém fazendo tão pouco.

DiscrepânciaÉ óbvio que a dissonância entre a magnitude do que poderíamos ser e a mediocridade do que aceitamos nos tornar só poderia resultar em problemas. E estes problemas surgiram na forma de um aumento dos casos de câncer, doenças auto-imunes, complicações cardiovasculares e alterações psiquiátricas de toda sorte. Criamos uma realidade que subverteu nossa natureza - e agora as promissórias estão vencendo.
Se pretendemos mudar as previsões da OMS para os transtornos depressivos, precisamos de uma revolução dos costumes, um ponto de ruptura lúcida como o que ocorreu no Renascimento, no Iluminismo e com os Baby Boomers, mais recentemente. É possível que esta revolução silenciosa já esteja em curso, patrocinada pelas idéias da Geração Y.

Marvin, o robôNa física, a simples presença do observador é capaz de alterar os resultados, e é provável que o mesmo ocorra com as estatísticas da OMS. Ao divulgar o gráfico de ascensão dos transtornos depressivos, o aumento da percepção pode levar a uma série de mudanças de atitudes, que por sua vez irão alterar completamente o panorama quando o futuro chegar.
Para quem não quiser passar o tempo vestindo a fantasia de Marvin (o sagaz robô anedônico do Guia dos Mochileiros das Galáxias), as próximas décadas prometem ser bem divertidas.

*Dr. Alessandro Loiola é médico, escritor e palestrante. Autor de, entre outros livros, "Para Além da Juventude - Guia para uma Maturidade Saudável" (Editora Leitura).