quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Tira-me o pão, se quiseres,



Tira-me o pão, se quiseres, tira-me o ar,
mas não...me tires o teu riso.
Não me tires a rosa, a lança que desfolhas,
a água que de súbito brota da tua alegria,
a repentina onda de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso com os olhos
cansados às vezes por ver que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso sobe o céu a procurar-me
e abre-me todas as portas da vida.
Meu amor, nos momentos mais escuros solta
o teu riso e se de súbito vires que o meu sangue
mancha as pedras da rua, ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono, teu riso deve erguer
sua cascata de espuma, e na primavera, amor,
quero teu riso como a flor que esperava,
a flor azul, a rosa da minha pátria sonora.
Ri-te da noite, do dia, da lua, ri-te das ruas tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro rapaz que te ama,
mas quando abro os olhos e os fecho,
quando meus passos vão, quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso, porque então morreria.

Pablo Neruda